foto de capa por Sr. Ricardo Paixão
Como comecei a fotografar e o que me motivou
Um misto de coisas que ficaram incubadas dentro de mim, como uma gestação. Foram crescendo e evoluindo ao longo de tempo (muito mais que a salamandra dos Alpes hehehehehe).
Acho que a maior influência foi do meu saudoso pai. Nascido no interior de Minas Gerais, vivia de forma muito precária e semialfabetizado. Veio para São Paulo no ano de 1960 em busca de uma vida melhor. Deixou em Minas Gerais a minha mãe e minha irmã mais velha, recém nascida na época.
Com o primeiro trabalho em SP, em menos de 4 meses já havia juntado dinheiro o suficiente e local para morar. Desta forma, pôde trazer minha mãe e a primeira filha, a minha irmã Graça. Ele trabalhava na empreiteira da estrada de ferro em Paranapiacaba e começou a nova vida ali com a família.
Ainda levando uma vida super difícil e com poucos recursos, eles viveram por anos ali. Lá nasceram mais 4 filhos, raramente sobrava dinheiro. Mas juntando um pouquinho, ele conseguia pagar um “retrato”, geralmente com todos juntos, pois era o que o dinheiro dava.
Seu Juca era muito engraçado, um piadista. Quando dava, ele falava para minha mãe:
Arruma “os catarrentos”… “os bruguelos”, “os barrigudinhos” para tirar retrato…
Geralmente era na frente da casa, pois num único registro tinha que sair tudo… kkkk.
Com o tempo de trabalho, ele aprendeu o ofício de soldador olhando e vivenciando ali na estrada de ferro que foi a sua escola. Ele se tornou um exímio soldador.
Algum tempo depois, ele conseguiu o emprego e a profissão que mais o orgulhava, foi a oportunidade em que seu salário melhorou (“o ordenado”, como ele falava). Com o trabalho na Cosipa como soldador, ele pode juntar dinheiro e comprou um “pedaço de terra” em Rio Grande da Serra.
Em 2 anos, com a ajuda de alguns parentes e vizinhos, ele mesmo construiu (nos dias de folga) uma casinha de barro nos fundos do terreno para depois, na frente, construir a definitiva. A família mudou e pouco tempo depois eu nasci, tenho uma vaga lembrança da casinha, pois eu vivi ali até os 3-4 anos +/-.
O Juquinha continuou construindo a casa maior, que moro até hoje. Tivemos que mudar correndo, mesmo com a casa sem portas e janelas, porque a casinha de barro tava tão torta que provavelmente poderia despencar em nossas cabeças naquela mesma noite.
Depois, ele foi terminando a casa conforme deu. “Os retratos” com os “catarrentos” e ele na frente da casa continuaram. Minha mãe nunca gostou de sair nas fotos. Então era sempre ele, nós e a casa kkkk.
Bom… Crescemos. Ele sempre ficava feliz quando algum dos filhos comprava uma “máquina fotográfica”, mas todos os filhos, sem exceção, sempre foram péssimos fotógrafos. Se saísse alguma foto boa, era mero acaso. Mesmo eu, não tinha noção de nada de fotografia. A gente desencanou de ficar jogando dinheiro fora com aquelas fotos horrorosas que tirávamos.
Veio a era digital e melhorou um pouco, porque pelo menos dava para apagar as fotos ruins que eram muitas ainda. Mesmo assim, meu pai se derretia de ver cada foto que alguém fazia, quer fosse boa ou ruim, e a vida seguia seu curso…
Eu e minhas irmãs sempre gostávamos de fazer algo (comida, artesanato, costura e fantasia de Carnaval) e fotografar e, mais recentemente, fotografar e postar na internet (começamos na época do Orkut, rsrsrsrs). Para a gente, aquilo era o máximo. Mas o “querer fazer fotografia mesmo” ainda estava incubado em mim… ali… crescendo como um feto… “Eu tava gravida da fotografia”.
Tenho um amigo de infância, o Marcelo, que sempre falava “que estávamos grávidos de algo”. Quando queríamos certa coisa, tinha que esperar um tempo para concretizar, rsrsrs.
A esta altura da vida, eu já tinha vários contatos em São Paulo, artistas, fotógrafos, entre outros. Numa oportunidade, conheci um publicitário, o Aloisio Ribeiro, que conheceu meus trabalhos pessoalmente, viu minhas fotos da época e me falou com bastante propriedade que “minhas fotos não valorizavam o meu produto”.
Essa crítica mexeu comigo, mas não no sentido de me ofender ou algo assim, foi o “start” que eu precisava. Com isso, ele ligou o “botão Power” da minha vida… hehehehehe
Vi que eu realmente devia, podia e queria aprender. Ia me profissionalizar na fotografia. Então, algum tempo depois, cheguei em casa e disse (nessa altura da vida, os amigos do meu pai e eu já o chamavam por “Véio” e menos por seu Juca ou Juquinha rsrsrs):
Bom! Véio, sua filha caçula vai virar fotógrafa!
O olho dele brilhou e ele ficou todo derretido, rsrsrsrs…
Fui planejando tudo com calma e em pouco tempo eu já tinha visto um curso e feito minha inscrição. Também já tinha dinheiro guardado para comprar a câmera, mas esperei o curso para ter orientação e conhecimento para isso.
Mas, neste meio tempo, meu pai adoeceu e ficou internado. Nós ficávamos de acompanhante. Então, conversei com minha família e com meu pai para que nos dias de curso não fosse o meu plantão lá no hospital. E assim foi…
Quando enfim comprei a câmera, levei no hospital para meu pai ver. Já estava quase na metade do curso de fotografia e ele ficava para os médicos e enfermeiros, rsrsrsrs:
A minha caçula é fotógrafa… ela tira “retrato”.
Fiz todo o curso com ele internado e infelizmente só ia piorando. No final do curso, como de costume, o professor pediu um ensaio para cada aluno. Eu já estava ficando muito mais tempo no hospital, pois o seu Juca só piorava.
Levei a câmera novamente para hospital, para eu ir em algum lugar clicar depois que saísse do plantão. Mas aí bateu a coragem e eu fiz o ensaio lá dentro mesmo.
Era o que eu estava vivendo…
O que era verdadeiro para mim…
Foi bem difícil, mas fiz.
Na semana seguinte, meu pai foi desenganado pelos médicos e dias depois faleceu. Ele nunca viu uma foto minha impressa, depois que “virei fotógrafa”, rsrsrsrs. Mas tudo começou pelo amor que ele tinha pela fotografia.
Dia 16 de outubro de 2018 fez 4 anos de saudade e igualmente 4 anos que “virei fotógrafa” e “que tiro retrato”, como o seu Juca sempre falava.
Estas foram as palavras mais difíceis que já ouvi, mas tentamos encarar de forma natural para não fazer ficar pior do que já era.
Depois, segui com a fotografia e registrei várias homenagens e lembranças em memória a meu pai, o seu Juca, o “Véio”, o “Veinho”.
Aproximadamente 10 dias após meu pai partir, o jardim de casa começou a florir incessantemente. A cada minuto, a cada hora, a cada dia nascia uma flor mais bela e vistosa que a outra. Uma explosão de beleza. Registrei todas as flores que ele tanto gostava, que ele tanto cuidava e que ele plantou. Por aproximadamente uns 3 meses o jardim floriu exuberantemente.
A caixa do álbum, ele mesmo estava fazendo, mas infelizmente não pode finalizar e vê-la pronta. Eu já ia montar um álbum com as fotos que ele pedia para tirar, mas era com a câmera compacta que eu registrava anteriormente. Meu irmão e eu finalizamos a caixa e preparei o álbum em sua primeira homenagem.
Em 2016, revisitei as suas ferramentas. Silenciosas, mas cheias de memórias… de emoções… e de histórias… pulsando vida… energias.
Escrevo essa história no blog do querido Filipe Morgado para homenagear a memória de meu saudoso pai José Felício de Melo. No dia 16 de Outubro de 2018 completou 4 anos de saudades. Agradeço imensamente ao Filipe por dar este espaço para expressar meus sentimentos, minhas lembranças, minhas vivências e minha saudade…
Filipe o seu convite para publicar minha história no blog me deixou muito feliz e acredito que de alguma forma fará com que eu e minha família revivamos várias emoções com estas recordações.
GRATIDÃO AMIGO!
Claudia Melo
Autores:
A fotografia da Claudia Melo que você pode ver no início da página (próximo ao título) e também abaixo no rodapé foi feita por Alexandre Serravallo durante o Click a Pé Congonhas.
Todas as fotografias desse artigo são da Claudia Melo, exceto as fotografias familiares. Uma tem autor desconhecido e as outras duas foram feitas pelo Sr. Ricardo Paixão.
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